quarta-feira, 11 de abril de 2012

Resiliência

Essa qualidade, que faz de nós pessoas muito especiais, pode ser desenvolvida. Cultive-a e se torne criativa, resistente às frustrações, hábilna procura de solução para os problemas e capaz de fazer de um limão uma fábrica de limonada
por Patrícia Zaidan | fotos Harry Heleotis, Getty Images em 19.11.2007


     A palavra tem sonoridade estranha e significado pouco conhecido, mas pode fazer a diferença na sua vida. O conceito vem da física: é a propriedade que alguns materiais apresentam de voltar ao normal depois de submetidos à máxima
     Tensão. As fibras de um tapete de náilon são o exemplo simplificado dessa ação - elas recuperam a forma assim que acabam de ser pisadas e amassadas. A psicologia tomou emprestada essa imagem para explicar a capacidade de lidar com problemas, superá-los e até de se deixar transformar por adversidades. Detalhando melhor, o resiliente não se abate facilmente, não culpa os outros pelos seus fracassos e tem um humor invejável. Para completar o leque de requintes, ele age com ética e dispõe de uma energia espantosa para trabalhar. Perfil de herói? Parece. Mas essa qualidade é encontrada em gente de carne e osso. Segundo Haim Grunspun, professor de psicopatologia da PUC-SP, um terço da população do mundo tem traços de resiliência.
    Os especialistas em comportamento começaram a estudar o tema, lembra Grunspun, quando se colocaram diante da interrogação: por que - em comunidades atingidas por enchentes, terremotos, perseguições raciais, violência e guerras - algumas pessoas se saem bem e outras não? Chamava a atenção um detalhe: aquelas que venciam um obstáculo se mostravam "vacinadas" para enfrentar o próximo. Que fenômeno seria esse? Até os anos 90, os estudiosos defendiam que a habilidade para administrar conflitos era inata, como um dom. A partir daí, comprovaram que o homem pode, sim, desenvolver a capacidade de se recuperar e de crescer em meio a sucessivos problemas. Grunspun acredita que é na infância que se aprende melhor esses conteúdos. Ele está lançando o livro A Criança Resiliente: Quando e Como Promover Resiliência para ajudar a criar essa mentalidade desde cedo. Nas escolas de Nova York, foram distribuídos em setembro passado 2 milhões de cartilhas para que alunos entre 8 e 11 anos possam crescer resistentes. A medida foi tomada depois que psicólogos atestaram a eficácia da intervenção social, com base na resiliência, adotada com os filhos das vítimas do atentado às torres gêmeas.
     Mas também é possível desenvolver resiliência na vida adulta. A velocista Ádria Rocha, 29 anos, a maior estrela do universo das paraolimpíadas, com uma coleção de medalhas de ouro e prata, pode ser um bom modelo para você se inspirar. Ela garante que se torna mais resistente a cada dia. Filha de um pedreiro e de uma costureira, Ádria e outros três irmãos, entre nove, têm retinose pigmentar, doença que atinge a retina e pode levar à cegueira. Mineira de Nanuque, a atleta conta que enxergava minimamente e que amargou a discriminação de professores e de colegas por causa da dificuldade de aprender. Superou o drama ao encontrar sua expressão no esporte. Já havia se destacado nas Paraolimpíadas de Seul, quando, aos 15 anos, se deparou com uma gravidez precoce. Casou e abandonou as pistas por exigência do marido. Aos 18 anos, mais problemas: ficou completamente cega. A nova realidade fez com que Ádria juntasse forças para se separar e voltar aos treinos. Sem patrocínio, sustentava a filha, Bárbara, vendendo bilhetes de loteria nas ruas de Belo Horizonte. Títulos e medalhas vieram um atrás do outro, até conquistar o primeiro lugar no ranking mundial. Ela detém o recorde de 12 minutos e 34 segundos nos 100 metros rasos, obtido em 2000, em Sydney. "Se ficasse choramingando, usando como desculpa a falta de dinheiro, de visão e de marido, com certeza não chegaria a lugar algum", diz. Quem ouve a história de Ádria imagina que seja a mulher-maravilha. Não é. Ela desmoronou no ano passado, ao sofrer uma contusão no joelho e uma cirurgia. "Tive medo de não conseguir mais correr", revela. Para essas pessoas especiais, porém, um empurrão basta. No caso da atleta, veio da fisioterapeuta Vanda Sampaio. "Ela me acompanhou nos exercícios e me ajudou a recuperar a autoconfiança."
     Uma das principais especialistas em resiliência, a psicóloga Cenise Monte Vicente explica que, para desenvolver essa capacidade, nós precisamos encontrar apoio - mesmo que pequeno - e sentir que alguém acredita em nós. "O parceiro tem uma função restauradora", garante. Ela chegou a essa conclusão analisando o caso de um garoto de família aristocrata que perdeu os pais, ficou sem dinheiro e foi morar num convento de freiras, que o agrediam. Toda vez que era mantido de castigo num porão, o garoto notava que uma freira entrava e chorava. "Embora não falasse nada, a atitude dela transmitia conforto. Era um momento de reparo, renovava a certeza de que alguém acreditava nele." Outra descoberta de Cenise sobre o resiliente é o distanciamento que mantém do moralismo e do papel de juiz. "Ele não julga seus agressores, não classifica como maus os que o atrapalham e ainda é capaz de compreender por que agiram de forma tão drástica", afirma. "Se encaramos o adversário como um demônio poderoso, fica quase impossível lutar contra ele." Mais: "Analisar o contexto e levar em conta todos os lados do problema ajuda a pessoa a enfrentar melhor a situação que ela considera irreversível".
     Os Balboni não se deixaram sucumbir diante do adversário nem das circunstâncias. A família de Luiz Fogaça Balboni, o Zizo, poderia ter vivido um processo de desagregação, como ocorreu na casa de vários jovens perseguidos pelo regime militar. Zizo foi morto em 1969, numa emboscada montada na capital paulista pelo temido delegado Fleury, que caçava oponentes da ditadura. O universitário de 24 anos pertencia a um grupo que acreditava que a luta armada era a única forma de mudar o país. A polícia transformou o velório dele, na pequena São Miguel Arcanjo (SP), num ato de advertência. Durante anos, a cidade olhou feio para os Balboni, que tiveram o crédito cortado até na mercearia. Na época, eles tentavam se levantar de uma falência, e a divulgação de que Zizo seria um inimigo da ordem pública só dificultou as coisas. A família, porém, arriscou novos negócios e se reergueu financeiramente. Dezenove anos depois, foi reconhecida a responsabilidade do Estado na morte do estudante e os Balboni receberam 125 mil reais de indenização. Ninguém pensou em torrar o dinheiro nas ilhas gregas. "Tínhamos que aplicar em algo que representasse a luta dele", lembra o irmão Aldo. Criaram, então, o Parque do Zizo, uma área de 300 hectares de mata Atlântica, na região de São Miguel Arcanjo. Ali, preservam animais em extinção e planejam pesquisar plantas com potencial farmacológico. No local, fica um hotel para quem quer conhecer as trilhas da reserva. Além de exorcizar a dor, a atitude gerou um benefício para outras pessoas.
     O fatalismo e a vitimação passam longe dos resilientes. Nunca pensam: "Tudo é difícil", "Não consigo mudar de rumo" ou "Ninguém faz nada por mim". Pelo contrário, arregaçam as mangas, como os Balboni, para reverter a situação indesejável. E têm metas bem definidas - nada de grandes devaneios, como enriquecer, ficar famoso... Plano, para eles, é algo concreto, acessível e realizável a curto prazo. Cenise chama isso de escada-sonho: você elege um projeto e, quando ele está realizado, escolhe outro, que, concretizado, servirá de trampolim para mais uma etapa. Na escada-sonho de Ádria os degraus estão próximos. "Me vejo quebrando o meu recorde nas Paraolimpíadas de Atenas este ano, cursando fisioterapia e depois comprando uma casa", revela. "É isso mesmo", explica Cenise. "Os projetos dos resilientes vêm acompanhados de imagens. Quem não consegue se projetar no futuro dificilmente realiza seus desejos."
     Uma atitude importante: não considerar prejuízo as perdas que ocorrem. Com 2 anos, Elisa Boéssio, 22, perdeu a mãe, que sofria de câncer. Foi então criada pelo pai, o maestro gaúcho José Pedro Boéssio, que lhe ensinou a ser livre, positiva e a viver de bem com o mundo. Há três anos, o maestro morreu num acidente de carro com outros dois filhos do segundo casamento. "Sofri muito, mas não considero só o fato de perdê-los. O episódio me levou a mudanças de rumo", declara Elisa, que mora sozinha, em Porto Alegre. "Aprendi que o meu centro de apoio deve estar em mim. Se estivesse centrada na presença física do meu pai, que amei tanto, teria enlouquecido." Ficaram os valores que ele ensinou. "Parece que escuto sua voz dizendo onde erro, quando acerto... me educo com essas lembranças." Desde pequena, Elisa não permite que tenham pena dela. "Por que deixaria que me considerassem uma coitada? Ouvi fitas gravadas pela minha mãe, ainda doente, em que ela pede para eu ser feliz, ter amigos, ir à praia." A mudança de rumo a que Elisa se refere incluiu alterações até de ordem prática. Ela havia passado no vestibular de direito uma semana antes do acidente que vitimou a família. O episódio, que parecia atordoá-la, colaborou na reflexão sobre outros setores. "Estava indo para algo que não era minha verdadeira vocação", conta. Meses depois, trancou a faculdade, fez cursinho e entrou em medicina. "Nas dificuldades, também reside a oportunidade de crescimento", diz Olga Falceto, professora de psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. "A crise é representada, no ideograma chinês, por um símbolo que traduz perigo e oportunidade ao mesmo tempo", lembra. Para perceber as chances que a crise traz, Olga sugere: "Dê um tempo para pesar prós e contras. Assim, a ansiedade diminui". O próximo passo é se nutrir das pequenas vitórias que você conquistou, mas que acabou minimizando. Depois, conecte-se com a forma utilizada para atingir aquelas vitórias. Por último, inspire-se nos ídolos que superaram problemas. "Trabalhando os recursos pessoais, o lado saudável, você se fortalece muito mais do que se ficar enfatizando as suas deficiências e os seus conflitos", diz. Pronto, agora ficou mais fácil iniciar um projeto de resiliência para melhorar a sua vida.
Manual de superação
     No momento da crise, formule uma explicação para o que está ocorrendo: analise as circunstâncias, a seqüência dos fatos e as razões do adversário. Tente entender os seus sentimentos em relação a tudo isso.Pense no que vai fazer quando sair da crise. Fica mais fácil suportar a dor ao se imaginar no futuro.
    O tempo que rege o resiliente é o presente. Comece, agora, a mudar a situação indesejada: estude, trabalhe, seja livre.
     Estabeleça vínculos com pessoas que podem representar coragem e estímulo. Mas não espere que uma delas faça o papel do salvador da pátria para resgatá-la do fundo do poço. A melhor saída é sempre aquela que você encontra.
     Valorize as pequenas vitórias. Lembre-se de como as conquistou e veja que pode ousar de novo. Isso traz autoconfiança.
     Não pense só em você, mas nos que vão se beneficiar da sua conquista ou tomar sua história como exemplo.

domingo, 1 de abril de 2012

Uma Grande Lição

POR ROBERTO RODRIGUES

A maior riqueza é o tempo que uma pessoa consegue dar a si mesma;
o tempo para viver com alegria

      HÁ POUCOS dias tive a oportunidade de assistir a uma palestra do sr. Nando Parrado, empresário de sucesso do vizinho Uruguai. Parrado é um dos sobreviventes do terrível acidente aéreo ocorrido há 39 anos, quando uma equipe juvenil uruguaia de rúgbi ia jogar em Santiago do Chile e o avião se chocou contra uma montanha nos Andes, dividindo-se em dois. A parte traseira despedaçou-se no acidente e nenhum de seus ocupantes se salvou.
       
       A parte da frente, por milagre, deslizou por uma longa ravina inclinada na cordilheira, sem bater em nenhuma pedra ou obstáculo, até parar. Era um “charuto” cortado ao meio, e, quando parou, tinha 29 sobreviventes e alguns mortos. O palestrante contou que, quando os jovens atletas, com idade média de 18 anos, receberam a informação de que havia algumas vagas no avião, ele correu na frente dos demais e convidou sua mãe e irmã: eram viagem e final de semana gratuitos em Santiago, e Parrado ficou entusiasmado quando ambas, alegremente, aceitaram o convite. As duas morreram no acidente.

      Ele tratou do tema com profunda dignidade, sem o menor sensacionalismo. Foi desfiando suas ideias, suas perguntas, suas perplexidades e suas crenças. Assim que o avião parou na ravina, na escura noite andina, em meados de outubro, os jovens tomaram a primeira e fundamental decisão: tapar o buraco traseiro do “charuto” que restava do avião, para reduzir o frio e, com isso, sobreviver. Foi a grande iniciativa que lhes permitiu ficar ali dois meses inteiros, esperando o momento de buscar algum tipo de socorro.

     Souberam -ouviram no rádio- que depois de dez dias as buscam foram suspensas, porque se considerava impossível que houvesse algum sobrevivente após esse período. Sabiam também que tinham de esperar o melhor período -o verão- para tentar caminhar na neve até encontrar algum socorro. Não tinham roupas para isso -afinal, eram jovens que iam jogar rúgbi e voltar-, e suas chances eram mínimas. Sofreram todo tipo de percalço, inclusive uma avalanche que cobriu o avião e matou mais alguns deles, deixando os 16 restantes ainda mais desamparados.

       Em nenhum momento Parrado tratou do conhecido tema da necessidade de se alimentarem dos mortos, fato que, à época, teve grande repercussão. Não, nada disso. Apenas narrou a saga inacreditável: após os dois meses de louca prisão na fuselagem, ele e mais dois amigos saíram em busca de socorro, sabendo do improvável êxito de sua tentativa. Um deles voltou ao final do segundo dia, mas ele e o outro continuaram. Por dez dias, dormindo duas horas por dia para não congelarem, seguiram adiante, até encontrar socorro.


Da fantástica história, algumas conclusões:


1) O amor é o grande motor das ações humanas. Parrado queria voltar por amor ao pai, que supunha desesperado pela perda de toda a família. O amor ao seu pai fê-lo seguir adiante, superando todas as brutais dificuldades. “Hoje, amo minha família, meus amigos e meus cães. O resto é secundário”. Amor, amor, amor acima de tudo.


2) Nada acontece depois que a gente morre: tudo continua, igualzinho, para os que ficam. Os bancos continuaram funcionando normalmente, bem como as lojas e tudo o mais: nada mudara, embora ele estivesse hipoteticamente morto.

3) Quando uma decisão tem de ser entre a vida e a morte, prevalecerá sempre a primeira, e com rapidez, sem maiores considerações.

4) A maior riqueza é o tempo que uma pessoa consegue dar a si mesma. O tempo para viver com alegria, para curtir seus amores, para ser gente, e não escravo do relógio ou dos preconceitos.

5) Para que perguntar, por exemplo, por que convidara a mãe e a irmã? Não adianta nada… Como diz ele: “sorte; destino?” Parece tudo tão claro, tão óbvio! Mas como é difícil. É tão evidente que o amor é a maior alavanca do mundo, e a liberdade (o tempo) é o maior bem, mas o homem vive desdenhando o amor e consumindo o tempo, envolto em vaidades vãs e em ambições inúteis.



ROBERTO RODRIGUES, 69, coordenador do Centro de Agronegócio da FGV, presidente do Conselho Superior do Agronegócio da Fiesp e professor do Depto. de Economia Rural da Unesp – Jaboticabal, foi ministro da Agricultura (governo Lula).



Texto publicado em 24/09/2011, pelo jornal Folha de S. Paulo